Livro Primeiro – A analítica da razão pura prática (A 35 a A 192)

Fulcral tomar conhecimento das definições inauferíveis à terminologia kantiana, para melhor compreensão da sua doutrina ética.

Assim, e citando o senhor, Princípios práticos são proposições que contêm uma determinação geral da vontade, a qual inclui em si várias regras práticas.

Logo de seguida, Kant opera uma distinção entre máximas e leis. Sendo que as primeiras são princípios subjectivos, quando a condição é considerada pelo sujeito como válida unicamente para a sua vontade; as segundas são princípios objectivos, quando essa condição é reconhecida como válida para todo o ser racional.

Logo aqui se denota a tendência kantiana para uma ética autónoma, que apenas obedece aos ditames da lei moral, eximindo-se dos ditames das inclinações ou desejos. De facto, estes últimos revelam-se a Kant como escravizadores da razão humana, impedindo que esta escolha livremente o que deve ou não fazer. Daí a oposição ao epicurismo, já na dialéctica, ética heterónoma, na medida em que o móbil da acção é imposto a partir do exterior (felicidade).

Daqui, depreende-se, igualmente, uma concepção dualista do homem, dicotomia entre animalidade/exterioridade e humanidade/interioridade, apresentando o homem disposições para ambas.

Por preconizar a força suficiente do homem para seguir os ditames da razão (como obrigações a priori), ainda que os apetites e inclinações biológicas ameacem demovê-lo de tal direcção, a moral de Kant é uma moral racional.

Kant dá um exemplo, pode alguém tomar por máxima o não suportar sem vingança insulto algum e, no entanto, reconhecer ao mesmo tempo que não é uma lei prática, mas apenas uma máxima sua, e que, como regra para a vontade de todo o ser racional, ela não pode harmonizar-se consigo mesma numa só e mesma máxima?

Nota-se, igualmente, o carácter intencionalista da moral kantiana, cedo no escrito, quando este refere que A regra prática é (…) um produto da razão, porque prescreve a acção como meio para o efeito, como intenção. Oposição clara às éticas consequencialistas, derivadas do utilitarismo desenvolvido por Jeremy Bentham e John Stuart Mill, padrinho e afilhado, filósofos ingleses, que preconizam o móbil da acção moral como sendo a busca da maior felicidade para o maior número de pessoas possível, creditando aqueles que, através das mesmas, obtivessem o maior saldo de felicidade tangível.

Mas, tratando-se o homem de um ser sujeito a princípios determinantes de vária ordem, nomeadamente os mais perniciosos, empiricamente fundados, a regra moral torna-se num imperativo, regra designada por um dever, que prescreve uma obrigação objectiva da acção.

Dado que os imperativos que Kant mais valora são os que determinam a vontade, quer ela seja ou não suficiente para o efeito, em detrimento dos que determinam as condições da causalidade do ser racional, enquanto causa eficiente, simplesmente em relação ao efeito e à capacidade de o produzir (utilitarismo), designa os primeiros por categóricos e os últimos por hipotéticos. A regra kantiana é, assim, objectiva e universalmente válida se valer sem condições contingentes e subjectivas.

Segue-se, na obra, a apresentação de quatro teoremas fundamentais da razão no seu uso prático, que passo a citar, abstendo-me de os desenvolver.

Teorema I: Todos os princípios práticos que pressupõem um objecto (matéria) da faculdade de desejar, enquanto princípio determinante da vontade, são no seu conjunto empíricos e não podem fornecer nenhumas leis práticas. (A 38, 39)

(Entende-se matéria da faculdade de desejar um objecto cuja realidade é desejada.)

De salientar que é deste teorema que se origina o carácter formal da ética kantiana.

Teorema II: Todos os princípios práticos materiais são enquanto tais, no seu conjunto, de uma só e mesma espécie e classificam-se sob o princípio geral do amor de si ou da felicidade pessoal (oposição ao epicurismo). (A 39, 40, 41)

Ser feliz é necessariamente o anelo de todo o ser racional, mas finito, e é, por conseguinte, um inevitável princípio determinante da sua faculdade de desejar (…) um problema que se lhe impõe em virtude da sua própria natureza finita, porque ele tem necessidades (…) que se reportam a um sentimento de prazer ou desprazer, como fundamento subjectivo que determina aquilo de que carece para se contentar com a sua condição.


Teorema III: Quando um ser racional deve conceber as suas máximas como leis gerais práticas só pode concebê-las como princípios que contêm a base de determinação da vontade, não segundo a matéria, mas unicamente segundo a forma (carácter formal da ética kantiana). (A 47, 48)


A matéria de um princípio prático é o objecto da vontade

Problema I: Supondo que a simples forma legisladora das máximas é por si mesma apenas o princípio suficiente da determinação de uma vontade.
Visto que a simples forma da lei só pode ser representada pela razão e, por conseguinte, ela não é nenhum objecto dos sentidos, não fazendo também parte dos fenómenos (…) a representação dessa forma enquanto princípio determinante da vontade, é distinta de todos os princípios que, na natureza, determinam os eventos segundo a lei da causalidade. Forma legisladora universal, independente da lei natural dos fenómenos nas suas relações recíprocas. (A 51, 52)
Problema II: Supondo que uma vontade é livre.
Visto que a matéria da lei prática nunca pode ser dada senão empiricamente, devendo porém a vontade, enquanto independente das condições empíricas (mundo sensível) ser apesar de tudo determinável, é preciso que encontre, não obstante, na lei um princípio de determinação. (A 51, 52)

Arriba, então, Kant na “Lei fundamental da razão pura prática”, popularizada como “imperativo categórico kantiano”: Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal, com o respectivo corolário: A razão pura é prática por si mesma apenas e dá uma lei universal que chamamos a lei moral.

A lei moral como tal, designa um constrangimento para um livre-arbítrio afectado patologicamente por causas subjectivas, que necessitam de uma resistência da razão prática que pode chamar-se uma coerção interior, intelectual.


Teorema IV: A autonomia da vontade é o único princípio de todas as leis morais e dos deveres a elas conformes; pelo contrário, toda a heteronomia do livre-arbítrio não só não funda nenhuma obrigação, mas opõe-se antes ao princípio da mesma e à moralidade da vontade.
Por conseguinte, jamais deve considerar-se como lei prática um preceito prático que inclua em si uma condição material.

Em A 69, “Os fundamentos práticos materiais de determinação no princípio da moralidade são:”, Kant divide esses mesmos fundamentos em subjectivos e objectivos, de acordo com as noções de subjectividade e objectividade acima referidas. Sofrendo uma posterior subdivisão em externos e internos, conforme se adquirem interna ou externamente.

http://www.mediafire.com/file/zcjm5jh4hll/tabelaKant.doc

No capítulo II da analítica da razão pura prática, “Do conceito de um objecto da razão pura prática”, Kant deixa ciente que se a lei se puder considerar a priori como o princípio determinante da acção e esta como determinada pela razão pura prática, o juízo sobre se alguma coisa é ou não um objecto da razão pura prática é independente da comparação com o nosso poder físico, e a questão é somente se nos é permitido querer uma acção que se dirige à existência de um objecto. Por conseguinte, o que deve preceder é a possibilidade moral da acção; pois aqui, não é o objecto, mas a lei da vontade o seu princípio determinante.

Os únicos objectos de uma razão prática são (…) constituídos pelo Bem e pelo Mal (…) objecto necessário da faculdade de desejar (…) objecto necessário da faculdade de aversão.

“Dos Motivos da Razão Pura Prática”, capítulo final da analítica da razão prática, encerra a primeira parte desta imensa obra, com a premente distinção entre acção contra o dever, acção conforme ao dever e acção por dever/por respeito ao dever. No primeiro caso, a acção é completamente destituída de valor moral. No segundo caso, e apesar de seguir a letra da lei moral (sendo, portanto, legal), não passa de um meio para atingir num fim, marcada por inclinações. A última, por seguir a lei moral por simples respeito à mesma, como a um dever incontornável, eximindo-se de qualquer móbil empírico, permeada por uma humilhação do amor de si mesmo e da presunção, possui valor moral. Respeito este completamente divergente do que uma pessoa pode nutrir por outra, pelo facto de lhe descobrir características preclaras, visto que, neste último caso, apenas o físico se inclina na presença de outrem. Já no que diz respeito à lei moral, é o espírito que se inclina perante a sua austeridade de princípios.


Sentenças preponderantes:

“O respeito pela lei moral é, pois, o único e simultaneamente o incontestado motivo, moral, da mesma maneira que este sentimento não se aplica a nenhum objecto (…)”

“(…) a fim de se colocar toda a moralidade das acções na necessidade de agir por dever e por respeito pela lei, não por amor e por inclinação (…)”

“É muito belo fazer bem aos homens por amor e benevolência simpática, ou ser justo por amor à ordem, no entanto, essa não é a autêntica máxima moral da nossa conduta, adequada à nossa situação de seres racionais enquanto homens."

"Age sempre de maneira a tratar a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, como fim e nunca simplesmente como meio"



Continua...



armyofufs

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Vá agora deixa-te de merdas e comenta! ;)
Thanks!

Blogger Guakjas disse:
Digo o mesmo deste o que disse do outro!

Vejo que tiveste muito trabalho e que te esforçaste para criar aqui um belo artigo filosófico! Mas como disse no outro comentário, é um texto bastante elaborado, o que o torna de um nível não muito acessível...

Deste gostei, e passo a citar, "Ser feliz é necessariamente o anelo de todo o ser racional, mas finito, e é, por conseguinte, um inevitável princípio determinante da sua faculdade de desejar..."
Sem dúvida, sem dúvida...Mas o ser feliz é difícil, é difícil...Muito bem caro army ;)

Parabéns :D
28 de agosto de 2009 às 17:57