(Texto publicado na Revista Única da edição do Expresso de 28 de Novembro de 2009)



Bruno: Olá, Deus. Esta é a nossa primeira entrevista para um jornal. Estás nervoso?

Deus: Um bocadinho. Queria começar por agradecer o convite. Gosto muito de estar aqui. Eu estou em todo o lado, mas se fosse a escolher um lugar para assentar e constituir família era aqui - nas páginas da "Única". E parabéns pela colecção de DVD da Pantera Cor-de-Rosa, gosto muito. Eu, de certa maneira, sou o avô da Pantera, uma vez que sou o pai de toda a Humanidade, e isso inclui o já falecido Vasco Granja.

Bruno: Desculpa, mas deves estar a fazer confusão. Quem oferece os DVD da Pantera é o jornal "Público".

Deus: Eh, lá. Fiz confusão. Não ando nada bem da cabeça. Só para veres como isto anda, no outro dia pedi ao senhor Fernando Guerra de Boticas para me guardar umas caçadeiras, porque achei que ia bem com o nome dele. Depois é que me lembrei que era padre.

Bruno: Tu estás com que idade?

Deus: Faz tu as contas, que eu hoje já estive a fazer um terramoto na Ásia...

Bruno: Ora, o Big Bang foi há 13,7 mil milhões de anos...

Deus: Por acaso foi há mais.

Bruno: O Big Bang não foi há 13 mil milhões de anos?

Deus: Não. O Big Bang está é muito bem conservado. Ninguém lhe dá mais de 13 mil milhões de anos, mas na realidade ele já fez 28 mil milhões. O Big Bang foi há 28 mil milhões de anos, lembro-me como se fosse hoje: era Dezembro, e estava um calor anormal para a altura; eu tinha 7 anos, e os meus pais tinham ido viajar, e como éramos muitos irmãos esqueceram-se de mim e fiquei uma semana sozinho em casa.

Bruno: Acho que já fizeram um filme sobre isso que dá todos os anos à mesma hora na televisão. Vendo bem, se calhar não é um filme, é uma religião...

Deus: Não vi. Não vejo filmes desde a estreia da "Saída dos Operários da Fábrica" em 3D. Retomando. Fiquei sozinho em casa e, claro, como qualquer criança, quis logo ir imitar o que o meu pai fazia. Tinha duas hipóteses: usar o estojo de química que estava no laboratório ou vestir-me com as roupas da minha mãe. Optei pela primeira, porque a minha mãe tinha levado o estojo de pinturas. E foi assim que nasceu o Universo.

Bruno: Portanto, a criação do Universo foi uma brincadeira de crianças.

Deus: Podemos dizer que a Criação se deveu à minha má criação. E, ao sétimo dia, eu não descansei - os meus pais é que chegaram a casa e acabaram com a brincadeira. E, quando viram que eu tinha feito um Universo, mandaram-me para o colégio interno. Pagavam uma fortuna em propinas, porque, entretanto, desenvolvi a capacidade de estar em todo o lado e estava em 78 colégios internos ao mesmo tempo.

Bruno: Resumindo, estás com a idade do Big Bang mais sete. Ou seja, 28 mil milhões de anos e picos. Isso leva-me à próxima questão: o Charles Chaplin foi pai aos oitenta e poucos, mas tu abusaste e tiveste o teu primeiro filho já com uma idade muito avançada. Como é que foi isso? Apaixonaste-te?

Deus: Olha, Bruno, eu já tinha comprado o Porsche descapotável, mas não me sentia mais novo e atraente. Achei que talvez um filho de uma mulher muito mais nova resolvesse a questão.

Bruno: Mas a mulher era casada...

Deus: Isso é irrelevante. Eu não acredito no casamento entre pessoas de sexo diferente. As pessoas do mesmo sexo entendem-se muito melhor, e isso é essencial para se ser feliz. A felicidade total nunca é mista.

Bruno: Não me digas que o Paraíso não é misto, que me dá uma coisinha má. Ando eu a trabalhar para evitar o bronze do Inferno e, afinal, o Paraíso é um colégio militar com nuvens à volta.

Deus: Bruno, vê lá se começas a apontar o que eu te digo, porque um dia destes eu revelo-te os números do Euromilhões e o sentido da vida e esqueces-te.

Bruno: Troco o sentido da vida por ser o único totalista dessa semana em que vou ganhar o Euromilhões. Não me digas já os números, porque há leitores da "Única" que também jogam.

Deus: Eu já te disse uma vez que o Paraíso não existe. Já houve, mas já acabou. O Paraíso não tem nada a ver com o Universo e com o Homem. O Paraíso foi uma coisa que eu fiz nas traseiras lá de casa. A ideia era ser uma coisa pequena, com pouca gente, que fosse uma alternativa ao Algarve. Daí o nome - "Paraíso Lagoa Beach". Depois tive de expulsar os caseiros, porque tinham uma cobra e andavam com tochas e a cuspir fogo... Eram saltimbancos, nómadas, e estavam a dar cabo daquilo. Acabei por desistir da ideia e fiz um jacuzi.

Bruno: Mas existe o julgamento final e essas coisas tenebrosas?

Deus: O Apocalipse é um mito. Eu explico. Tens um "Magalhães"?

Bruno: Não. Já tive, mas troquei-o por uma máquina para batidos de caça.

Deus: Adiante. Como tu sabes, eu controlo o tempo...

Bruno: Sim. E...?

Deus: Não deste por nada, pois não? Já passaram dois dias desde que fizeste a pergunta: "Mas existe o julgamento final e essas coisas tenebrosas?"

Bruno: Não acredito?!

Deus: Olha lá para a tua barba...


Bruno: Elá. Espectacular. Pareceram uns segundos. Muito bom. Também sabes fazer truques com cartas?
Deus: Bruno, o Apocalipse é um mito porque eu controlo o tempo. Controlar o tempo é uma boa sensação, especialmente quando deixo cair um prato ou um copo no chão da cozinha. Sabes aquele momento em que uma pessoa normal franze os olhos, porque já não consegue agarrar o prato e ele vai partir-se em pedaços? Eu, nesse momento, ponho o tempo a andar para trás e vejo os cacos a juntarem-se e o prato volta à minha mão... Percebeste a imagem?
Bruno: Mas Deus não tem vassouras?
Deus: Tenho uma da loja do chinês que se carregarmos no on também é uma iogurteira. Mas dizia-te: eu nunca deixarei que o Apocalipse aconteça. Ponho a andar para trás e faço de novo. Vocês são os meus Legos preferidos, nunca vos deixaria arder... muito.

Bruno: Então, aquela parte da Bíblia, Apocalipse 21 ou 22, confundo-os sempre, que diz, e passo a citar: "Quanto aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos fornicadores, e aos feiticeiros, e aos idólatras e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre; o que é a segunda morte."
Deus: Isso é tudo inventado. O João tinha uma imaginação espectacular. Foi o primeiro a aventurar-se na escrita de ficção científica.

Bruno: Óptimo. Não era nada justo meter no mesmo saco os homicidas e os tímidos - corar não é o mesmo que esfaquear.
Deus: A lista é parva e dá a sensação que foi sendo inventada à medida que foram escrevendo. Se tivessem mais tempo, a seguir era: "Os limpa-chaminés e os profissionais de seguros."

Bruno: Mas... isto é a Bíblia.
Deus: A Bíblia lê-se bem, mas é pouco abrangente. Prefiro o Mahabharata, e passo a citar: "O que for encontrado aqui, pode ser encontrado em qualquer outro lugar. Mas o que não for encontrado aqui, jamais será encontrado em outro lugar." É ou não é bom?

Bruno: Não é muito, não.
Deus: Hum... Então vou andando, porque deixei Lanzarote ao lume.



Bruno: Antes de terminarmos, foste tu que escolheste os leitores desta entrevista?
Deus: Fui. Para depois não dizerem que não tenho sentido de humor.
Bruno: Pronto, está feito. Depois deixa um recibo verde onde entenderes.
Deus: Posso, antes de ir temperar planetas, anunciar o segundo livro de crónicas do "Tubo de Ensaio", que sai no Natal?

Bruno: É melhor não. Parece publicidade descarada que entra um bocadinho a martelo.
Deus: Tens razão.
Bruno: Um abraço.
Deus: Adeus. Adeus.
Bruno: Porque é que disseste "adeus" duas vezes, uma em cada ponta da página?
Deus: É um adeus especial para leitores estrábicos...
Bruno: Não vou comentar, vou só deixar duas perguntas em branco para mostrar algum desconforto.

Bruno:

Bruno:

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Anonymous armyofufs disse:
"a escolher um lugar para assentar e constituir família era aqui"

LOOOOOOOOOOOOOOOOOL. Grande boca à ideia religiosa de que Deus é "pai" de todos os seres vivos!

"no outro dia pedi ao senhor Fernando Guerra de Boticas para me guardar umas caçadeiras, porque achei que ia bem com o nome dele. Depois é que me lembrei que era padre."

OMFG! ROFL!

"O Big Bang foi há 28 mil milhões de anos, lembro-me como se fosse hoje: era Dezembro, e estava um calor anormal para a altura; eu tinha 7 anos, e os meus pais tinham ido viajar, e como éramos muitos irmãos esqueceram-se de mim e fiquei uma semana sozinho em casa."

LOL. Grande "entidade infinita".

"Tinha duas hipóteses: usar o estojo de química que estava no laboratório ou vestir-me com as roupas da minha mãe. Optei pela primeira, porque a minha mãe tinha levado o estojo de pinturas. E foi assim que nasceu o Universo."

My God! Nem há palavras para descrever o meu riso!

"Pagavam uma fortuna em propinas, porque, entretanto, desenvolvi a capacidade de estar em todo o lado e estava em 78 colégios internos ao mesmo tempo."

"Eram saltimbancos, nómadas, e estavam a dar cabo daquilo. Acabei por desistir da ideia e fiz um jacuzi."

"Vocês são os meus Legos preferidos, nunca vos deixaria arder... muito."

Oh, oh, oh! OWN do século!

"A lista é parva e dá a sensação que foi sendo inventada à medida que foram escrevendo. Se tivessem mais tempo, a seguir era: "Os limpa-chaminés e os profissionais de seguros."

"deixei Lanzarote ao lume."

Finalmente, referência a Saramago. LOL

Como devem ter percebido, o meu comentário é, basicamente, um apanhado as minhas passagens predilectas.
Mas, a entrevista, no seu todo, está fenomenal. He He!
30 de novembro de 2009 às 20:37  
Blogger Knuckles disse:
Sinceramente: humor desta "entrevista" = 0
30 de novembro de 2009 às 20:48  
Anonymous Bernardo Soares disse:
Sinceramente, a inteligência deste "iluminado" em cima = 0
30 de novembro de 2009 às 21:22  
Anonymous armyofufs disse:
Olha ó Knuckles, já percebi que as nossas noções de "humor" estão bem desfazadas uma da outra, mas não percebo o que "provas" (se é que o queres fazer) com esses juízos "analíticos".
Sabes, é que há muita gente neste mundo, cada uma dotada das suas idiossincrasias. E eu limitei-me a citar as passagens que me fizeram rir (pronto, talvez tenha exagerado na classificação de algumas), já tu parece que queres impôr uma ideia, com essas expressões algo pretensiosas do "0".
Afinal, quem é que é "contra o sistema"? Os que são "contra a Igreja" e "contra o pseudo-espírito natalício" ou os que são "contra todos os tipos de humor que se praticam em Portugal e, quiçá, arredores"?

Pronto, poupo-te trabalho. Já sei que vais dizer "Ah e tal, isto de interpretar expressões literalmente, e coiso. É preciso, por acaso, explicitar que isto não passa da minha opinião?". Mas fica o aviso para tentares ser mais comedido. É que não sei até que ponto alguas críticas que te têm vindo a tecer não se enquadram na realidade "blogosférica". Pensa nisso...
30 de novembro de 2009 às 21:31  
Blogger Guakjas disse:
Bem, genial o humor deste Bruno Nogueira!

Não sei se foi ele que escreveu mas está deveras excelente!

Destaco algumas passagens excelentes:
(...)
"Bruno: Mas a mulher era casada...

Deus: Isso é irrelevante. Eu não acredito no casamento entre pessoas de sexo diferente. As pessoas do mesmo sexo entendem-se muito melhor, e isso é essencial para se ser feliz. A felicidade total nunca é mista."

Como eu digo sempre: Timba!

"Deus: Hum... Então vou andando, porque deixei Lanzarote ao lume."
LOOOOOOOOL La esta!

Por fim a ultima coisa:
"Bruno: Não vou comentar, vou só deixar duas perguntas em branco para mostrar algum desconforto.

Bruno:

Bruno: "

Mesmo estilo Bruno Nogueira!

Este magricelas e do caraças!

Abraço
30 de novembro de 2009 às 21:44  
Blogger Guakjas disse:
* No geral a entrevista e' mesmo engraçada!

:P

So digna de um bom humorista! Daqueles que escrevem sem medos! :D
30 de novembro de 2009 às 21:47  
Blogger Knuckles disse:
Antes de mais army: O meu juízo em relação ao texto em nada se enquadra com a tua análise ao mesmo. É-me sinceramente indiferente o teu bom juízo acerca do que quer que te refiras. Existem opiniões que levo em conta, e outras que não, e como deves certamente ter reparado, não sigo as tuas correntes ideológicas. Todavia respeito o que dizes, dado que já mostras-te ser capaz de elaborar um troca de ideias coerentes e bem fundamentada.
A tua opinião relativamente ao meu percurso na blogosfera é-me redondamente indiferente mais uma vez. Tenho provas dadas nos blogues por onde tenho vindo a passar. Aliás, tenho o reconhecimento e qualidade da maioria da comunidade em que nos inserimos, e isso chega-me perfeitamente. Não tentes comprar uma guerra comigo que não terás resposta, dado que sinceramente seria perder o meu tempo. Apesar de respeitar, acho que tens ideologias, e desculpando a hipérbole de seguida empregue, totalmente utópicas e a roçar o rídiculo.

"Bernado Soares", podes iniciar sessão com a tua própria conta blogger, dado que já conheço por inteiro a tua identidade. És um anormaleco rejeitado que tenta comprar guerras com faltas de argumentos, recorrendo uma pobre eloquência de insultos, sempre acompanhada proporcionalmente por estupidez, tacanhez e diria alguma demência. Quando reparas que ninguém te "liga puto"?

Quanto ao texto, não me confesso fã do tipo de humor empregue por Bruno Nogueira. Em primeiro lugar porque não vou em modas sociais de pseudo-intelectuais logo não sou anti-religioso. De seguida já vi bem melhor ser feito no país dentro da temática. Para findar, está aqui a prova escrita de que sem expressões faciais, o humor escrito deste tipo é, reafirmo, 0.
30 de novembro de 2009 às 21:57  
Anonymous Anónimo disse:
Esta engraçado, mas já vi melhor.

Humor mais ou menos fresco.

Stewie
30 de novembro de 2009 às 22:57  
Blogger Menaia disse:
"Em primeiro lugar porque não vou em modas sociais de pseudo-intelectuais logo não sou anti-religioso. De seguida já vi bem melhor ser feito no país dentro da temática. Para findar, está aqui a prova escrita de que sem expressões faciais, o humor escrito deste tipo é, reafirmo, 0."

Aqui vou ter que concordar EM PARTE com o Knuckles. Certamente que prefiro humor "não-escrito", humor onde as pessoas interagem físicamente, usando as expressões faciais que faz com que aquilo que digam tenha piada.

No entanto até achei um texto engraçado, muito embora eu seja agnóstico, mas é impossível não esboçar um sorriso (no mínimo) com: "Gosto muito de estar aqui. Eu estou em todo o lado, mas se fosse a escolher um lugar para assentar e constituir família era aqui - nas páginas da "Única". "; "Mas Deus não tem vassouras?"; "Então vou andando, porque deixei Lanzarote ao lume."

De resto não teve assim TANTA piada, creio se fosse adaptado a um sketch seria mais engraçado. x'D
1 de dezembro de 2009 às 14:30  
Anonymous Bernardo Soares disse:
Oh amigo do Sonic, sabes quem sou? Então anuncia-o aos 7 ventos! Vais ver como estás errado. És daqueles que pensa que uma pessoa tem de ter obrigatoriamente conta no blogger e comentar com ela (sou preguiçoso para fazer o login, mas se quiseres irás ver que aparece "Bernardo Soares" na mesma). E depois chamas triste, e puto, quando na realidade o único nesta conversa (armyofufs, eu e tu) que não atingiu a maioridade foste tu. Quanto ao estar na moda ser anti-religião... Portanto, o Saramago anda a aderir a modas? És um cromo, nem sabes o que dizes.
Se insistes tanto, eu faço o login no próximo comentário que colocar.
1 de dezembro de 2009 às 22:57