Matthew é um jovem americano, que reside em El Paso,Texas. Desde criança motorizou toda uma rotina diária em função do cultivo de uma pequena propriedade que administra com os seus pais. O gosto pela agricultura e pelos seus mistérios e prazeres é enorme, razão pela qual se esforçou para lograr uma bolsa na UTEP (The University of Texas at El Paso). Trabalha afincadamente no ramo da engenharia genética, particularmente na área alimentar, em função de descobrir melhorias significativas no campo de investigação de alimentos transgénicos. Sonha poder um dia conseguir combater a dizimação de certos cultivos, ao mesmo tempo que ajudará a humanidade a usufruir de um modo exaustivo de todas as propriedades benéficas alimentares.

Encontrasse actualmente no comboio, de volta a casa para festejar o 4 de Julho com o seu pai. Relembra com um nostálgico sorriso no rosto o ano transacto, onde numa noite amena característica do Verão Texano, se sentou em cima do tractor que adquiriu com os apoios governamentais. Com o seu pai, acomodados na neo máquina no pomar do pátio traseiro da sua propriedade, simplesmente miraram o fogo-de-artifício ao longe no horizonte, enquanto repartiam um gélida cerveja, acompanhada pelo fantástico odor de uma tarte de maçã quente a sair do forno, segurada pelas dóceis mãos da sua mãe. Este ambiente estóico era, segundo ele mesmo, indescritível.

Ama cada pedra do seu país. Foi este que acolheu os seus hispânicos antepassados, proporcionando uma qualidade de vida bem aceitável, que aumentou exponencialmente com o passar das gerações. Confia no governo, sabe que este se prepara convenientemente no sentido de suprimir as necessidades de cada cidadão. Se hoje estuda numa das melhores universidades do Estado, se toda a actividade agrícola que desenvolve é das mais modernas e bem equipadas a nível global, ao seu País o deve. Por isso, trabalha no sentido de compensar as verbas em si investidas, e relembra com orgulho e patriotismo este dia de independência nacional, enquanto mira a lua no horizonte pelo vidro do comboio.

Hélder é um jovem de nacionalidade portuguesa, residente em Santa Vitória, Beja. Trabalha desde a sua infância no cultivo de um pequeno terreno baldio que herdou dos seus avós. O seu dia-a-dia é árduo. As horas de labor ao Sol deram à sua pele uma tonalidade queimada, e nem o mais conceituado dos cosméticos repararia as irreversíveis escoriações que ostenta nas mãos. Hélder não se importa. Desde pequeno compreendeu que nunca poderia almejar nada de maior para o seu futuro, e com o passar dos anos acabou por interiorizar e viver em conformidade com essa premissa. Concluiu com esforço o ensino obrigatório, com algumas reprovações pelo caminho. Gostava da escola. Era o único local onde podia ler, aceder à Internet e conviver com jovens da sua idade. Apesar de nunca ter sido incutido nas práticas intelectuais era bastante curioso, e embora tímido e pacato, sabia que aqueles seriam os melhores anos da sua vida e teria de os aproveitar ao máximo, independentemente da deficiência da rede de transportes que o ligava à escola, ou da paupérrima maneira como se apresentava comparativamente a alguns dos seus colegas.

Hoje, já maior de idade, dá consigo por vezes a meditar à sombra de uma agradável árvore, enquanto vê o pôr-do-sol, sobre no que poderia ter sido a sua vida. Será que se desde pequeno fosse incutido a práticas literárias e desportivas seria hoje, “alguém”? Porque não se preocuparam com ele? Porque não apoiaram o seu débil orçamento familiar para que pudesse seguir o rumo natural das coisas?

E devido a esta mescla de raiva e conformidade, odeia o seu país. Odeia os políticos que apenas se preocupam com os seus. Odeia aqueles que não têm noção do estado quase medieval da zona onde habita. Odeia aquela senhora da segurança social que lhe negou o escalão escolar, ao mesmo passo que odeia as mentes que desviam os fundos para as actividades agrícolas em prol de estádios e centros comerciais nas grandes regiões do literal urbano.

Por isso perdeu toda a esperança num futuro promissor e no seu país. Vive a vida que lhe foi confiada e procura desfrutar ao máximo desta, apesar das suas condicionantes. Hoje, enquanto comia a habitual sande de carnes fumadas ao pequeno-almoço, reparou no calendário na ancestral parede de pedra branca da cozinha de sua casa. 10 de Outubro. Mais um dia normal de trabalho.


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O quê? Já estamos a gravar? ups..
Olá pessoal!
É só para dizer para quando comentarem, não insultarem ninguém (a não ser que tenham razão :D), não fazer Pub., e principalmente não desiludir a vossa mãe, e ser bem-educado ;)
(Ou podes também fazer o contrário de tudo, mas arriscas-te a ver o teu comentário apagado! :D)
Vá agora deixa-te de merdas e comenta! ;)
Thanks!

Blogger Yahtzee disse:
Acho fantástica a maneira como tornas tão bom ler o que quer que seja escrito por ti. Se há realmente pessoas que nascem com um dom, o teu é certamente a escrita. Adorei o texto e a incrível comparação do que apesar de quase idêntico é bem diferente. Parabéns :)
9 de outubro de 2010 às 18:10  
Anonymous Anónimo disse:
Sim, sem dúvida. Uma escrita muito "gostosa" (não foi a melhor palavra...Desculpa Knuckles mas é o que me lembro ao ler algumas coisas tuas. São deliciosas)
Agora falando do texto em si.
Duas pessoas, realidades aparentemente iguais, "fins" completamente diferentes. E porquê? A diferença está nos países de origem...E infelizmente isso ainda pesa na igualdade de oportunidades...

Abraço caro amigo!
9 de outubro de 2010 às 20:45  
Anonymous Anónimo disse:
Não está mal escrito mas também não é nada de original.
9 de outubro de 2010 às 21:29  
Blogger Knuckles disse:
"Não está mal escrito mas também não é nada de original."

Isto vindo de um anónimo é gratificante.

Obrigado Yahtzee e Guakjas, sinto-me deveras lisonjeado ;)
9 de outubro de 2010 às 21:37